"Gosto de enganar os meus leitores"

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É apreciador da chamada literatura esotérica, misteriosa, mística? Se A Biblioteca do Geógrafo não tivesse o seu nome lia?

Sim. Gosto muito dos romances de mistério, em termos genéricos. Enquanto leitor, gosto de me sentir enganado, sem saber exactamente o que é verdadeiro e o que é falso. E, enquanto escritor, também gosto de sentir que estou a enganar as pessoas, os meus leitores, confundindo-os, em certa medida.

Ou seja, mistura a verdade e a ficção, romanceando alguns factos históricos...

Sim. Porém, atenção que neste livro há coisas que me esforço por descrever como reais, mas que, de facto, não o são. Além disso, alguns factos apresentados estão ligados por pontes ficcionais ou por puras invenções.

A sua "costela" de jornalista influenciou-o, de alguma forma, nesta estreia literária?

Se atendermos a que no jornalismo é fundamental ser-se muito escrupuloso com as fontes, verificar tudo muito bem, ao ínfimo pormenor, descobrir o "rasto" às coisas, devo dizer que a escrita deste livro constituiu algo verdadeiramente libertador. Experimentei um sentimento muito libertador de "irresponsabilidade". E gostei...

E de Dan Brown, gosta?

Nunca li, confesso. Nem O Código Da Vinci. Sou o único... Por isso, devo estar prestes a ser preso (risos). No fundo, o Código é a nova Bíblia, de que toda a gente tem um exemplar em casa...

Gostando tanto de romances de mistério, como diz, porque ainda não leu Dan Brown? O seu livro, inclusive, parece ter sido escrito por um grande apreciador...

Não sei. E olhe que comecei a escrever o meu livro antes de aparecer o Código Da Vinci, ou seja, no início de 2002. Não calhou ler logo na altura em que apareceu, até porque não quis fazer qualquer tipo de comparações. E, também, porque sabia que iria sentir ciúmes do seu imenso sucesso...

Em linhas gerais, o que é que O Código Da Vinci e A Biblioteca do Geógrafo têm em comum?

Para começar, ambos os livros fazem parte do mesmo género literário, um género muito popular nos nossos dias provavelmente por duas razões. Uma é porque, sendo nós diariamente bombardeados com inúmeras informações de inúmeras fontes, este tipo de livros contendo uma espécie de teoria da conspiração promete uma maneira de organizar a informação de uma modo compreensível, mostrando o que é importante e o que não é importante. Outra razão, mais simples, é que vivemos tempos feios e estes livros fornecem-nos uma oportunidade de "escaparmos" para o passado, onde tudo parece tão mais simples. Claro que não era simples, mas como não nos afecta neste exacto momento partimos do princípio que sim...

Em comum com Brown também apresenta a mulher como a detentora de poderes mágicos, da sabedoria, mas também de um certo perigo. O "abismo" de saias. Não lhe parece um lugar demasiado comum?

Reconheço que ainda subsiste muito aquela ideia de femme fatale, à qual não consegui fugir, se calhar porque esta é a minha primeira obra. A obra de um aprendiz, portanto.

Qual foi o seu ponto de partida?

Quis escrever um livro de mistério com dois narradores, duas "vozes" completamente diferentes e duas motivações distintas. No fundo, um livro com dois finais.

As histórias de mistério marcaram a sua infância?

Cresci numa casa com muitos, muitos, muitos livros. Sempre fui encorajado a ler. Tínhamos televisão, mas não víamos muito. E hoje, tenho a sorte de o meu sogro, George Krimsky, ser um grande contador de histórias.

Disse que não leu os livros de Dan Brown. E as aventuras de Harry Potter, conhece?

Sim, sim, li e gostei. Muito. Li quatro, mas o último ainda não. Penso que são boas histórias, cativantes, fáceis de ler. São como pipocas para a mente. Lemo-las de fio a pavio.

Parte importante do seu livro não só se passa em Moscovo como foi escrita em Moscovo. De que forma o ambiente influenciou a escrita?

Teve uma óptima influência. Adoro aquela cidade. É uma cidade dura e também misteriosa. Uma cidade que, sobretudo para os americanos, ainda está muito ligada a clichés, mas que surpreende quem aterra lá ainda muito dominado pela mentalidade da Guerra Fria. Pela ideia de que vai encontrar um lugar proibido, escuro, perigoso, povoado de pessoas cinzentas. Não é assim, de todo. Voltei lá recentemente e tenciono regressar em breve. Mas, nos primeiros tempos, após chegar com a minha mulher - os dois completamente à aventura, apesar de termos ambos antepassados russos -, não havia muito para fazer e não dominava a língua. Por isso, dediquei-me à escrita deste livro, que já tinha começado um mês antes em Nova Iorque. Continuei a escrevê-lo em Moscovo e acabei-o em Londres.

Na altura em que começou a escrever, o choque do 11 de Setembro de 2001 ainda estava muito presente. Sentiu que, escrevendo, esconjurava a dor?

Foi mais como se fugisse às memórias, como se lhes virasse as costas.

Memórias de democrata ou republicano?

Democrata. Um ecologista democrata.

As principais críticas que lhe fazem prendem-se com o final. Há quem diga que decepciona um pouco, sobretudo se se atender às expectativas que a narrativa cria. Este tipo de críticas irrita-o?

Não, leio-as todas. Não conheço nenhum escritor que não leia tudo o que escrevem sobre ele. Críticas positivas e críticas negativas. Umas e outras não deixam de ter o seu interesse.

O final não será um pouco frustrante? E não apenas no que diz respeito à impossibilidade da história de amor entre Paul e Hannah...

Quis brincar um pouco com os finais tradicionais das histórias. Quis deixar Paul num certo estado de incerteza, de algum fracasso, admito. A mim, pareceu-me a maneira natural de acabar o livro, dando a antever a possibilidade de outros desenvolvimentos.

Uma sequela?

Por enquanto, não. Vou deixá-lo de parte durante algum tempo, mas admito que Paul possa "regressar" um pouco mais velho e um pouco mais sábio.

O seu próximo livro vai incidir sobre que temática(s)?

Também será uma história de mistério, centrada em Moscovo. Uma história típica de crime inteiramente passada lá.

Com um "cheirinho" a mafias russas?

Por agora não posso revelar mais pormenores.

Como é que vai chamar-se?

Estou a pensar em chamar-lhe An American Gamble.

O seu primeiro romance tem logrado um êxito assinalável. Estava à espera?

Não, de maneira nenhuma.

E agora é tempo de regressar à base, isto é, ao jornalismo? Ou enriqueceu e vai enveredar, definitivamente, pela escrita?

Não enriqueci, mas tenciono mesmo dedicar-me à escrita. O jornalismo, agora, é só em regime de free lancer.

Começou cedo e "acabou" cedo a carreira de jornalista...

Comecei aos 23 anos no jornalismo político. Escrevia para um jornal que fazia a cobertura das notícias do Congresso, em Washington. Chama-se The Hill. Mas, agora, quando escrevo é essencialmente sobre livros e comida.

E, em Moscovo, enquanto se dedicava à Biblioteca, escrevia sobre que temáticas?

Sobre tudo. Sem excepção. Lembro-me, por exemplo, de ter escrito um artigo sobre as lojas de equipamento desportivo existentes em Moscovo (risos)...

Conhece a obra do último Prémio Nobel da Literatura?

Pinter? Claro. E adoro.

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